segunda-feira, 10 de agosto de 2015

Vigésimo quinto dia

Agora, neste vigésimo quinto dia, vamos olhar para dentro do casulo. Para o casulo na fase borboleta. Uma fase de leitura, depois da escrita feita pela lagarta. Como se alguém tivesse nascido dentro de uma biblioteca, tenha andado por ali às voltas e um dia descubra um livro com o nome de porta.

A vida da borboleta através do casulo é um caminho entre o seu centro e as coisas sem nome. Um caminho que pode tomar muitas formas.

Em algumas delas a borboleta corta a direito. Numa primeira camada de nomes que referem nomes, que muito vagamente indicam a existência das coisas, suspeita que possa haver coisas sem nome e entra num frenesim que imediatamente a impele para a camada seguinte, e assim sucessivamente.

Noutras, a borboleta embrenha-se na leitura, ora se aproxima mais das coisas, ora se afunda nos nomes de nomes. Diz-se, mas não acredito, que esta leitora tem uma vocação de escritora. Uma borboleta com complexos de lagarta. Não acredito, pois ainda não viu as coisas sem nome e, olhando para o seu rasto, não é claro que, se entre camadas, entre prateleiras, entre estantes, entre salas e salas repletas de livros receosos da traça, tenha suspeitado da porta. Não é uma escritora, é uma leitora devoradora, pois mesmo a última linha escrita pela lagarta, a do auge da retórica, apenas se justifica por todas as outras linhas, e estas pelas coisas sem nome.

É a borboleta que corta a direito, a que faz uma leitura libertária, aquela que poderá vir a ser lagarta.

In da Memória da Areia dos Bichos

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