segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

Liberdade

Um amigo costuma dizer, meio a sério meio a brincar, cuidado com os que te querem fazer bem.

Em Março de 1946, o censor do livro de Dostoievsky, os Irmãos Karamazov, está certo do que é melhor para as classes menos cultas. Como será a sua atitude se as classes menos cultas não desejarem o bem que ele lhes quer?

Mestre Hakuin não quer, faz. Quando lhe dão a criança não diz que seria melhor cuidada pelos pais, quando lhe retiram a criança não diz que os pais não a merecem.

O que haverá de profundamente diferente entre eles?

domingo, 25 de dezembro de 2011

Quando a magia da televisão...

A televisão alimenta-se de pessoas.

Neste Natal, numa reportagem sobre os militares portugueses no Líbano, são colocados frente a frente um militar, no Líbano, e a sua mulher com o filho ao colo, na Figueira da Foz. Pretende-se dar a entender que a televisão tornou possível este encontro, mas o militar vai dizendo à mulher (em entrelinhas) deixa lá, e explicitamente, falamos depois no skype. O entrevistador remata a reportagem com uma pérola: É assim quando a magia da televisão e a magia do Natal se juntam...

Num jantar de caridade na noite de Natal, entrevista-se uma das comensais. Pergunta-se se não teria de comer se não fosse esse jantar, o que a senhora nega, de seguida pergunta-se se estaria sozinha se não fosse o jantar, o que a senhora nega. Quando a magia da televisão e a magia do Natal se juntam...

A análise de um telejornal dará uma boa imagem do estado do país, não pelo que se diz, mas pelo que se pretende dizer, e pela forma como se passa essa mensagem.

quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

Pode não ser assim

Hoje, ao falar da crise, um amigo articulou como normal a possibilidade de uma ditadura militar no caso de, devido a um colapso económico, se crie muita instabilidade social. Disse que as pessoas iriam aceitar.

É evidente que uma análise história nos leva a esta conclusão, ainda assim, fiquei um pouco chocado. Esta é a forma como pensam os que sentem que o podem fazer: as pessoas vão aceitar.

Será assim?

Duas notas:

- A democracia é bem mais útil em situações de crise, mesmo que elas incluam pobreza, do que nas situações de bem estar.

- Estamos num mundo diferente, em que, tal como as empresas se tornaram transnacionais, também as organizações democráticas se globalizaram, Avaaz.org é um bom exemplo.

Uma nota final sobre a crítica no documento do wikipedia-Avaaz ao clicktivism e o efeito commitment-and-consistency.

segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

Das Ideologias e Da Cultura

Ideologias há muitas e cada cultura adapta-as à medida da sua inevitabilidade. Disso são exemplo os 140% democráticos na Rússia e a monarquia comunista na Coreia do Norte.

Em Portugal já passámos por diversas ideologias. "Recentemente", fomos do republicanismo macho ao fascismo beato, seguindo-se a democracia subsidiada e agora vem aí o liberalismo redentor.

Como é que todas estas ideologias foram tratadas pela mesma cultura?

Neste momento de incerteza pergunto-me como será o liberalismo segundo a cultura Portuguesa?

Prognósticos só no fim do jogo, mas cada um nós deverá começar a observar atentamente o seu local de trabalho para perceber o que 37 anos de democracia terão acrescentado à cultura Portuguesa e, claro, o que o futuro nos reserva.

quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

Da Redenção Pessoal e Da Redenção Social

Algumas histórias Zen soam estranhas, por vezes quase irreais. Por exemplo, a história do Mestre Hakuin que cuida do que não é dele e que não se prende ao que ama é um extraordinário exemplo de redenção pessoal, difícil de entender num mundo que apenas funciona se a taxa de crescimento, que resulta na capacidade de possuir mais, for de 2 a 3%.

Isto levanta a questão de saber se a redenção pessoal se poderá tornar numa redenção social.

Curiosamente esse argumento tem sido frequentemente usado, muito especialmente nas situações de crise, em que os recursos escasseiam e se levanta a questão de como gerir a sua distribuição.

Por exemplo, quando falei com os mais velhos foi-me dito que a Senhora do Sr. Dr., tinha sempre uma panela ao lume com sopa para os pobres. Dizia ela que com umas poucas batatas e umas folhas de couve se fazia uma sopa. Afirmação semelhante tinha já sido dita muito antes por uma Rainha, são rosas Senhor, e muitas outras expressões semelhantes pertencerão provavelmente ao imaginário popular.

O argumento que a esquerda tem para esta proposta de redenção social através da redenção pessoal é que de facto ela esconde uma situação de perpetuação da ordem social estabelecida. Desta forma, a desconfiança relativamante à redenção pessoal atingiu o seu extremo nos países totalitários comunistas, em que a prática religiosa foi reprimida.

E assim, como em todas as coisas significativas da vida, chega-se a um paradoxo: provavelmente a esquerda tem razão e a experiência de Mestre Hakuin é fantástica.

Outra História Zen

Is That So?

The Zen master Hakuin was praised by his neighbours as one living a pure life.

A beautiful Japanese girl whose parents owned a food store lived near him. Suddenly, without any warning, her parents discovered she was with child.

This made her parents angry. She would not confess who the man was, but after much harassment at last named Hakuin.

In great anger the parent went to the master. "Is that so?" was all he would say.

After the child was born it was brought to Hakuin. By this time he had lost his reputation, which did not trouble him, but he took very good care of the child. He obtained milk from his neighbours and everything else he needed.

A year later the girl-mother could stand it no longer. She told her parents the truth - the real father of the child was a young man who worked in the fishmarket.

The mother and father of the girl at once went to Hakuin to ask forgiveness, to apologize at length, and to get the child back.

Hakuin was willing. In yielding the child, all he said was: "Is that so?"

domingo, 4 de dezembro de 2011

Pôr isto na ordem

Na sequência da greve geral e dos cocktails molotof notei nos títulos de alguns jornais que há por aí vontade de pôr isto na ordem.

Eu, que vivi a maior parte da minha vida na desordem democrática, resolvi perguntar aos mais velhos como era a ordem de antigamente. Falaram-me da fome e dos pobres que se roubavam uns aos outros pois as propriedades agrícolas do Sr. Dr. estavam guardadas pela GNR. E também que roubar couves ao Sr. Dr. era mais grave do que roubar a outro pobre. Uma resolvia-se na justiça e a outra numa briga de taberna.

Não consigo evitar associar essa vontade de ordem a alguma da actual tendência "privatizante" do que é público. Aqui, os serviços de segurança e de justiça.

Será para isso que se quer pôr isto na ordem?

História Zen

Muddy Road

Tanzan and Ekido were once traveling together down a muddy road. A heavy rain was still falling.

Coming around a bend, they met a lovely girl in a silk kimono and sash, unable to cross the intersection.

"Come on, girl" said Tanzan at once. Lifting her in his arms, he carried her over the mud.

Ekido did not speak again until that night when they reached a lodging temple. Then he no longer could restrain himself. "We monks don't go near females," he told Tanzan, "especially not young and lovely ones. It is dangerous. Why did you do that?"

"I left the girl there," said Tanzan. "Are you still carrying her?"