segunda-feira, 29 de junho de 2020

Nadinha

Nadinha de Zé e as vicissitudes de se ser bonito (Zvsb) remete imediatamente para a formalização que Louis Trolle Hjelmslev procurou trazer à linguística. Nadinha não é um texto fácil, tal como não o é a formalização de Hjelmslev. Acerca desta, dizem alguns, obviamente mal-intencionados, que a culpa de tudo isto, esta complicação que é tentar simplificar o entendimento do que é a linguagem através da definição de uma álgebra imanente à própria linguagem, está em Hjelmslev ser filho de Johannes Trolle Hjelmslev, um matemático. A verdade, dizem-nos, é que uma álgebra simplifica quando de facto é simples, caso contrário só complica, tornando-se num organismo descontrolado com a mania de gerar seres bizarros que só a paciência de um pai consegue ir colocando de volta no saco de onde nunca deveriam ter saído. Adensando a complexidade, é introduzido um isomorfismo entre os planos da expressão e do conteúdo, com a teimosia de um homem que quer acreditar que os seus filhos têm de ser iguais a menos de uma mudança de nome. Finalmente, é proposto o conceito de substância, como oposição dicotómica à forma, e cuja ambiguidade tem levado alguns autores a sugerir que será mais correto referirmo-nos a ele como representando o propósito da expressão e do conteúdo, que se para o último, o conteúdo, parece querer indicar significado, ainda que segundo Hjelmslev corresponda mais ao que não se consegue conhecer, quanto ao primeiro, a expressão, deixa bastantes dúvidas, pelo que talvez seja mais simples interpretar como a materialidade da expressão. Mas o que tem tudo isto a ver com Nadinha? Como Ponto e Lima (20xx) fizeram notar, acumulam-se as questões sobre este texto, até porque, tanto quanto se sabe, não há nenhum comentário do autor de 25 de abril sempre (25as) sobre Nadinha. Mas que é um texto simbólico o é sem dúvida. Senão vejamos um excerto de Nadinha: “Sem trocarem uma palavra, Nadinha faz um impercetível gesto com a mão a Zé”. Em termos de expressão, é claramente uma manifestação gestual de Nadinha, cujo conteúdo é chamar a atenção de Zé, mas qual é a substância? Qual o propósito de Nadinha em Nadinha com esse ténue gesto? Façamos um exercício, imaginemos este mesmo gesto por Máxima, ou Larissa, ou qualquer uma das outras mulheres de Zvsb. Terá o exato mesmo conteúdo a mesma substância, o mesmo propósito? A questão não tem uma resposta fácil. As expressões gestuais até Nadinha revelaram o seu propósito, já em Nadinha quedamo-nos com a dúvida, o que pretende Nadinha? Os niilistas Sampaio e Moura (20xx) afirmam que Nadinha é, de Zvsb, um texto que nos deixa um sabor a amargo a nadinha. Mas nós não trilhamos esse caminho, o que distingue Nadinha de Máxima ou Larissa não é a morte do sentido, é o desconhecimento de Nadinha. O que sabemos da substância de Máxima e Larissa não está na sua expressão gestual, está em conhecermos Máxima e Larissa. Já Nadinha é como uma língua desconhecida, tem expressão, mas da substância do conteúdo não percebemos nadinha.