Embora ainda estivesse dentro do ovo já me entretinha a imaginar o que estaria lá fora. Pobre imaginação. Julgava que este ovo estava dentro de um outro ovo maior. Neste estavam os sons mais próximos, aqueles que me eram mais familiares. Um bater seco no ar seguido de um abanar. Um contínuo ranger associado a um baloiçar. Mas, puxando ainda mais pela imaginação, conjeturei que este ovo, que cobria o meu, deveria estar dentro de um outro ainda maior. Tinha que ser assim pois não havia outra forma de perceber os distantes balbuciares que vinham sobretudo da parte de baixo do ovo. Eram sussurros seguidos de gritos murmurados e corridas abafadas. Tudo muito apagado, muito ténue.
Quando já tinha explorado todos os sons que me cercavam e os tinha associado aos dois ovos onde o meu se encaixava, dava comigo a imaginar, por analogia, mais sons que não ouvia e mais ovos que os justificassem, todos dentro uns dos outros. Assim passava os meus dias e quiçá imaginei tudo o que é possível imaginar dentro de um ovo.
Um dia enganei-me a fazer um movimento, que não saiu em redondo, e rompi o ovo. À minha frente estava um menino tão boquiaberto como eu. O meu nome é Glória.
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