segunda-feira, 22 de agosto de 2011

Gaudi e Miró

Gaudi e Miró têm muito em comum e são completamente diferentes. Ambos se apaixonaram pela natureza e viveram um amor intenso, Miró pela vida e Gaudi por deus. E a partir daí tudo é diferente. Talvez porque seja mais fácil consumar o amor pela vida, as obras de Miró são cada vez mais simples, até uma criança as conseguiria desenhar, e a natureza que lá está resulta de uma síntese com a vida. Já Gaudi necessita do grandioso e do que nunca termina para consumar o seu amor.

Na catedral da sagrada família em Barcelona vejo os troncos de árvore, os ramos, as folhas no topo... e desejo estar deitado debaixo de umas árvores e ver a folhas a ondear.

sábado, 20 de agosto de 2011

Plazas

Das cidades espanholas gosto das plazas cheias de gente a chilrear. A minha filha diz que os espanhóis gostam de viver.

As obras de Miró estão cheias de vida, cheias de pássaros, estrelas e mulheres. O museu da Fundació Joan Miró em Barcelona é excepcional. Na entrada, uma enorme tapeçaria com um gato deixa-me siderado, e eu que até nem gosto de gatos. A minha filha, que gosta muito de gatos, não acha nada de especial.

As mulheres deformadas de Picasso conservam o essencial, ou até mesmo o exacerbam. Nota-se que o Picasso gosta de mulheres.

terça-feira, 16 de agosto de 2011

Sofia

O último dia, em Sófia. O centro da cidade é pequeno e revela um charme inesperado. É Agosto e a cidade está tranquila. A temperatura do fim de tarde de Sábado e da manhã de Domingo estão excelentes para passear.

A cidade é diferente do que recordo de 88. De então, recordo os militares de pasta a passar determinados de um lado para o outro junto ao edifício do comité central, e já só falta um ano para o muro cair.

Recordo também a tentativa de apanhar um autocarro para o parque de campismo. Quando pretendo pagar o motorista diz coisas que não percebo, mas dá a entender que devo sair do autocarro. Uma senhora de idade levanta-se e paga a viagem com uma senha. Quando volta para o seu lugar os passageiros olham-na com reprovação. Ela levanta a cabeça, como quem diz: sou velha, não tenho medo. Os passageiros baixam os olhos com vergonha. Quando me sento ao lado dela está assustada. Tinha voltado à vida.

sábado, 13 de agosto de 2011

The fundamentals

Durante a semana vou vendo na CNN a volatilidade dos mercados. O discurso sobre as causas é circular.

O apresentador, que fala com a garganta, vai adiantando que tudo se deve aos fundamentals.

Em 2008 não vi a CNN.

Amália

Última noite em Bansko. Assisto ao primeiro dia do festival internacional de Jazz de Bansko. Quando chego já terminou de tocar o primeiro grupo. Há muita gente. No palco entra uma senhora que veste como se tivesse 20 anos. Comporta-se como uma diva. Fala com voz de boneca e as pessoas riem.

No público há muitas familias. As mulheres, mães e filhas, vão-se envolvendo. Os homens são mais reservados.

Ao meu lado esquerdo uma rapariga vai suavemente batendo palmas com as mãos como em reverência.

Durante uma música começa a cantar estilo RAP. Afinal dirige-se aos fotógrafos que se encontram a tirar fotografias e que se afastam cabisbaixos, com as máquinas de rastos, como toiros acabados de lidar.

No fim, alguém com ar sério lhe entrega flores enquanto todos aplaudem.

No dia seguinte procuro saber quem era. Chama-se Lili Ivanova, tem mais de 70 anos, e é uma estrela na Bulgária desde os tempos do comunismo. Quem lhe ofereceu flores foi o anterior presidente da república.

No regresso a Sofia digo ao motorista, deve ter 20 anos, que assisti ao espectáculo de Lili Ivanova na noite anterior. Responde-me, "Lili Ivanova?! She's the best!".

terça-feira, 9 de agosto de 2011

Religiosidades

A igreja de Santo Demetrius, em Veliko Tarnovo, foi reconstruida sobre as pedras da antiga igreja. Por dentro está completamente vazia.

A senhora que está encarregue da igreja diz-me: "Destroyed by Turks, rebuilt by communist architect".

domingo, 7 de agosto de 2011

Corrupção

Kiril é o guia nas montanhas de Rila. Não terá 30 anos. Vamos conversando. Ele fala do filho do ex-rei que chegou no seu cavalo branco para salvar o país. Parece que, enquanto no poder, a preocupação de Simeon foi fazer aprovar uma lei que lhe devolvia o que tinha pertencido a seu pai. Simultaneamente, o nível de corrupção aumentou no país.

Inicialmente pensei que deveria mais formas de controlar a corrupção, mas depois ocorreram-me as vantagens da inteligência emocional, de ter contactos, de trabalhar com os amigos, de criar redes de amigos...

Ter mecanismos que imponham imparcialidade na distribuição dos recursos poderá não fazer sentido, ser irrealista. Daí haver muitas leis que pura e simplesmente não são cumpridas.

Contudo, quanto maior for a transparência maior a possibilidade de qualquer pessoa participar na divisão dos recursos.

Na ditadura a negociação para a divisão dos recursos é restrita, tendo mesmo à cabeça seres santificados. A democracia obriga a haver mais negociação. Como resultado da negociação há mais visibilidade, dando a ideia de poder haver mais corrupção.

sábado, 6 de agosto de 2011

Ortodoxa

As igrejas ortodoxas estão cheias de madeira, preto e dourado. O mosteiro de Rila é particularmente luxuriante com as suas pinturas neste estilo.

Enquanto olho para os ícones, com os seus santos coroados a ouro, dou comigo a pensar que a apropriação do cristianismo pelo império romano é a demonstração que, em termos de ideias e valores, é possivel transformar qualquer coisa noutra coisa qualquer.

sexta-feira, 5 de agosto de 2011

Prisão

Mas Kostadin também diz que pelo menos agora a Bulgária não é uma prisão. É possivel sair. Recordo ter conversado com dois Norte-Coreanos quando estive na Bulgária em 1988. Primeiro receberam-me com a cortesia dos orientais e, de repente, sem razão aparente, olharam-me com um misto de susto e nojo. Como uma mulher que fez voto de castidade olha um homem por quem sente desejo.

As prisões são como os sistemas descritos por Maturana e Varela, autopoiesis, em que a partir das entradas não é possivel inferir o comportamento do sistema.

Friedman

Kostadin, o guia nas montanhas Pirin, é um engenheiro electrotécnico cuja empresa fechou há 10 anos. Tem 57 anos. É agora guia de montanha no verão e instrutor de ski no inverno. Diz que antes a Bulgária tinha 7 milhões de clientes para o seu tabaco na União Soviética. Também havia mercado para o vinho, e agora já começaram a importar produtos agrícolas. Não porque sejam melhores, são mais baratos e as pessoas têm pouco dinheiro.

Confesso que não tive coragem para sacar do Friedman.