quarta-feira, 19 de agosto de 2015

Corvus

Vicente, de seu nome completo Vicente António Baltazar de Carolina e David Eduardo Feliciano da Glória e Horácio Inácio Joaquim de Lúcio Manuel de Nicolau dos Nicolaus, mais conhecido por Vicente dos Nicolaus, nasceu insubmisso por natureza.

Tão negro de pele como obstinado de carácter, Vicente é daqueles para quem estar aqui é um direito. Bem lhe referem o que deve, mas ele persiste em ignorar. Acusam-no, com alguma razão, dada a miscelânea do seu nome, de que apenas pode ser fruto de uma monstruosa fornicação. Produto de um daqueles bacanais a que os Deuses do Olimpo se entregam por escárnio dos humanos, imitando-os para melhor os vilipendiarem. Durante essas orgias travestem-se com os nomes que os humanos escolhem e misturam-se em grande algazarra engendrando um novo nome. Repousados da festa, inventam um corpo e um humor, tão ridículos como o nome e insignificantes como os humanos. Juntos os três, atiram-nos para o mundo como um a feto abandonado.

Vicente teria sido o nome a que chegaram. Quanto ao corpo e ao humor, perfeitos Deuses são incapazes de conceber o absolutamente imperfeito. Juntando o pouco que tinha, no frio do abandono e na exposição ao sol teria desenvolvido a obstinação e a insubmissão que eram só suas. Mas isso não era tudo, na sua cabeça conviviam um diligente António com um irreverente Lúcio, havia um Joaquim Baltazar que vivia entre um mundo perfeito e a realidade da sua ausência, para já não falar de um David Feliciano, obcecado com poderes tão dissemelhantes, ou da encruzilhada de uma Glória Carolina. Dentro da sua cabeça todos esses Nicolaus coabitam.

Vendo tamanho tumulto numa obra que achavam sua, e enojados com a promiscuidade daí resultante, os Deuses quiseram impor ordem, mas perante a insubmissão de Vicente e o perigo de perderem a sua representação nos humanos, optaram, por impotência, a condená-lo a ser bicho, um e muitos.

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