domingo, 5 de março de 2023

de joelhos prostrados

mas que lindo menino
que da juventude tem a flor
no lindo rosto a inocência
e seja lá mais o que for

o que eu quero é ir brincar 
ao salta à barra ao ou conta ou amua
e contar até 31
com os meninos da minha rua

na rua é preciso cuidado
pois do homem do saco
o da tela entrelaçada
muito se tem falado

talvez por isso grite
a minha mãe da varanda
vem menino para casa
que já se faz tarde

mas se calhar ela não está
verdadeiramente preocupada
pois será apenas
que a sopa já está preparada

será isto um castigo
estava eu nas minhas sete quintas
não vejo a razão de tamanho alarido
saído de cabeça aflita

a sopa já está na mesa
e o teu pai sentado
vem daí que te digo
antes da refeição ter começado

ali está ele na mesa
então por onde andaste
pergunta com a sua voz forte
por entre névoa espessa

já estou farto de dizer
não uma nem duas nem três vezes
que das sopas verdes
a que mais me aborrece é a de ervilhas

come ervilhas que te faz bem
diz a mãe que o pai é agnóstico
dão-te força para correr
atrás da bola

com os pequenos todos zombam
porque podem e porque querem
que eu bem percebi que isto da bola
é pela forma das ervilhas

come a sopa
resolve ajuntar o pai
faz a vontade à tua mãe
que eu também fiz e por isso estou sentado

hesitante lá me vergo
senão fica o caldo entornado
dirijo-me para o meu trono de pau
de todos o mais elevado

o pai assenta com a cabeça
a mãe tem mais que fazer
pois está a terminar
o segundo prato

é o segundo que empurra o primeiro
que da cozinha vem um tal cheiro
a vida é tortuosa
ter de se saborear o que se desgosta

mas que aflição é essa a comer
até parece que te fizeram mal
atira o irmão mais velho
que não perde oportunidade de o pôr vermelho

quando me arreliam
arreliam-me mesmo
em particular este monstrelho
com a mania de já ter pelo

não chateies o teu irmão
diz o pai romano
que a paz que vem de cima
é aquela que mais se estima

está vermelho está
olha olha está vermelho
insiste o irmão
que a casa começou a trazer a revolução

resolve o pai calar
que há situações
em que mais vale deixar
a barragem se esvaziar

olha olha olha
come lá a sopinha verde
sorri o irmão com a porta aberta
muito à vontade para a desfeita

no ranger da cadeira me agito
sinto na boca a injusta ervilha
resistindo à garganta
dando razão à minha revolta

muitos anos de casa comum
são mais do que mil palavras
por isso sabe ler o irmão
o que do meu rosto se escapa

olho em volta e vejo um quadrado
de quatro paredes cercado
e ao centro uma mesa redonda
de familiares ladeada

o irmão não é dado a abstrações
sabe que o que vale é o imediato
aborrecer agora o miúdo
e depois sair para o mato

por isso dá a estocada final
é agora é agora
está todo vermelho
no nariz às orelhas

atiro-lhe à cara o prato
qual deus justiceiro
deixando o irmão espantado
e com a roupa suja para a moçoila

faz o pai uma consideração profunda
de quem sabe do que é o mundo feito
e que muito bem se resume
coisas de garotos são coisas de garotos

vem a mãe a correr da cozinha
e não vem para explicativas filosofias
pois sabe que na prática 
tudo deve ter solução rápida

logo ali ela decide
que a Deus devo prestar contas
depois da oração
ao senhor padre confessar

acabou-se o tempo das imprudências
que a vida também é feita de coisas sérias
coloque-se de joelhos
que chegou à idade das consequências

padre que fala assim
anda há muito nesta vida
por aqueles ouvidos já entrou tanto pecado
que desfaleceria a mente mais atrevida

mas eu que sou obstinado
ainda que de joelhos me tenha prostrado
não estou assim a ver
nada de que me sinta culpado

ofendeste pai ou mãe
não és amigo do teu irmão
mentes ou tens pensamentos com a mão
deixa o padre tudo explicado

de tudo o exposto
nada tenho de prestar a Deus
por isso me calo
perante o contraplacado que esconde o rosto

então
questiona o padre
perante a minha ausência
que atrás de mim já há gente a perder a paciência

pressionado entre duas paredes
e não encontrando culpas terrenas
ocorreu-me por desvario
o que já senti entre as pernas