quinta-feira, 13 de agosto de 2015

O burro

O copo mergulha na mancha escura. Enche-se e é puxado para cima escorrendo água. Um bater cadenciado, cada vez mais nítido, marca o compasso da subida. Solta a água, reinicia a descida e fica suspenso, balouçando, boquiaberto a olhar para o fundo do poço.

A água transparente cai sobre o tabuleiro, separa-se para visitar os cantos e encontra-se de novo ao centro. Numa onda corre pela calha em direção ao buraco de pedra que leva ao tanque. É engolida e perde-se no escuro.

O homem vai encaminhando a água castanha que lentamente ensopa a terra. A sachola matraqueia entre lama e pedras. O homem ajeita a aba do chapéu e sente o fresco no círculo de suor em volta da cabeça.

Uma pedra da parede do poço, que vê numa nesga da saca que lhe cobre os olhos, traz-lhe algo à memória. Estaca a olhar e o bater cala-se.

A voz grita, ah burro do diabo. Volta a sentir a canga no pescoço, atira o corpo para a frente, exala pelas largas narinas e o travão da nora recomeça a bater.

Sem comentários:

Enviar um comentário