quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

Borges e os Outros

Nos anos 40, a oposição às políticas de Péron valeu a Borges a demissão de bibliotecário municipal e a oferta de um lugar de inspector de aves. O ultraje, de que se alimentam os poderosos, conjuntamente com a prisão da mãe e da irmã, marcou Borges. Enquanto presidente da sociedade de escritores argentinos (SADE) foi sentindo o isolamento e a solidão daqueles que se opõem a ditadores demagogos, como era o caso de Péron. (1)

Nos anos 70, Borges apoiou os golpes estado de Videla e Pinochet. De Pinochet disse que era bondoso (2). Do então presidente da sociedade dos escritores argentinos disse que não representava ninguém, quando este indagava Videla sobre o destino de escritores desaparecidos, alguns deles provavelmente lançados vivos, de avião, sobre o mar da prata. (3)

O apoio a Videla e Pinochet estava enraizado na repulsa a Péron que tinha regressado em 1973 à presidência da Argentina por via democrática.

Talvez a humilhação sofrida fosse como um daqueles punhais que, segundo Borges, o das mitologias dos subúrbios, cumprem o seu destino de morte para além da vontade dos homens que os empunham.

Talvez, ainda segundo Borges, o dos jogos com o tempo e o infinito, antes ou depois de morrer, se tenha encontrado perante Deus e lhe tenha perguntado quem era, ao que Deus lhe terá respondido, meu Borges, tal como te sonhaste ninguém também eu te sonhei homem. (4)

(1) Peron's government had seized control of the Argentine mass media and regarded SADE with indifference. Borges later recalled, however, "Many distinguished men of letters did not dare set foot inside its doors." - Wikipedia, Jorge Luis Borges, Political Opinions.

(2) El día en que Borges perdió el Premio Nobel - Carlos Maldonado R.

(3) Borges on the Right - Katherine Singer Kovacs

(4) La historia agrega que, antes o después de morir, se supo frente a Dios y le dijo: Yo, que tantos hombres he sido en vano, quiero ser uno y yo. La voz de Dios le contestó desde un torbellino: Yo tampoco soy; yo soñé el mundo como tú soñaste tu obra, mi Shakespeare, y entre las formas de mi sueño estás tú, que como yo eres mucho y nadie. - Jorge Luis Borges (Everything and Nothing)

sábado, 21 de janeiro de 2012

Um poço sem fundo (2)

Borges y Yo


Al otro, a Borges, es a quien le ocurren las cosas. Yo camino por Buenos Aires y me demoro, acaso ya mecánicamente, para mirar el arco de un zaguán y la puerta cancel; de Borges tengo noticias por el correo y veo su nombre en una terna de profesores o en un diccionario biográfico. Me gustan los relojes de arena, los mapas, la tipografía del siglo XVII, las etimologías, el sabor del café y la prosa de Stevenson; el otro comparte esas preferencias, pero de un modo vanidoso que las convierte en atributos de un actor. Sería exagerado afirmar que nuestra relación es hostil; yo vivo, yo me dejo vivir para que Borges pueda tramar su literatura y esa literatura me justifica. Nada me cuesta confesar que ha logrado ciertas páginas válidas, pero esas páginas no me pueden salvar, quizá porque lo bueno ya no es de nadie, ni siquiera del otro, sino del lenguaje o la tradición. Por lo demás, yo estoy destinado a perderme, definitivamente, y sólo algún instante de mí podrá sobrevivir en el otro. Poco a poco voy cediéndole todo, aunque me consta su perversa costumbre de falsear y magnificar. Spinoza entendió que todas las cosas quieren perseverar en su ser; la piedra eternamente quiere ser piedra y el tigre un tigre. Yo he de quedar en Borges, no en mí (si es que alguien soy), pero me reconozco menos en sus libros que en muchos otros o que en el laborioso rasgueo de una guitarra. Hace años yo traté de librarme de él y pasé de las mitologías del arrabal a los juegos con el tiempo y con lo infinito, pero esos juegos son de Borges ahora y tendré que idear otras cosas. Así mi vida es una fuga y todo lo pierdo y todo es del olvido, o del otro.
No sé cuál de los dos escribe esta página.

- Jorge Luis Borges

quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

As moscas

Confesso que começo a ter pena do pessoal da maçonaria, de tanta pancada que têm levado. Ainda por cima, apanhados em contramão no PSD.

De tudo isto ocorre-me uma questão. Pelo que leio percebo que vale a pena pertencer à maçonaria, parece que se conseguem uns benefícios, mas não leio em lado nenhum quais são os mecanismos usados para obter essas benesses.

Assim, começo a recordar as velhas Farpas de Ramalho Ortigão e Eça de Queiroz e pergunto-me se isto não será só um problema de moscas.

terça-feira, 10 de janeiro de 2012

Um poço sem fundo

Por vezes questiono-me sobre se o ser é dizível ou indizível. A possibilidade de possuir um objecto por o dizer é bastante antiga e deve ter começado por ser um acto de magia. A representação de animais e peixes nas pinturas rupestres simbolizavam a capacidade de possuir a coisa em si e, consequentemente, de a matar.

Talvez para proteger a vida humana, e dado que a proibição de um ser humano matar outro ser humano é das mais antigas, foi desenvolvido este princípio de que o ser é indizível. Ele encontra-se nas religiões, em que o ser é referido como alma, em algumas manifestações artísticas, na sua procura do silêncio, ou até, de uma forma mais racional, na declaração universal dos direitos do homem, no respeito por todas as diferenças e portanto na impossibilidade de as reduzir a uma mera representação.

Mas será o ser mesmo indizível? Por exemplo, se observar continuamente uma pessoa, em todos os seus actos serei capaz de a possuir, de a tornar finita?

No filme Blade Runner há um diálogo que ilustra bem essa fronteira entre o ser e o não ser, entre o dizível e o indizível, entre Rachel, uma replicante, e Deckard, um blade runner (caçador de replicantes).

Rachael:    You think I'm a replicant, don't you?
Deckard:    Hah.
Rachael:    Look, it's me with my mother.
Deckard:    Yeah. -- Remember when you were six? You and your brother snuck into an empty building through a basement window. You were gonna play doctor. He showed you his, but when it got to be your turn you chickened and ran. Remember that? You ever tell anybody that? Your mother, Tyrell, anybody huh? You remember the spider that lived in a bush outside your window? Orange body, green legs. Watched her build a web all summer. Then one day there was a big egg in it. The egg hatched--
Rachael:    The egg hatched...
Deckard:    And?
Rachael:    And a hundred baby spiders came out. And they ate her.
Deckard:    Implants! Those aren't your memories. They're somebody else's. They're Tyrell's niece's


Mas Philip K. Dick torna os replicantes indizíveis quando coloca Roy, um outro replicante, a poupar a vida de Deckard e a morrer em paz.

Roy:    I've seen things you people wouldn't believe. Attack ships on fire off the shoulder of Orion. I watched C-beams glitter in the darkness at Tanhauser Gate. All those moments will be lost in time like tears in rain. Time to die.

Os regimes autoritários sempre tiveram a tentação de tornar o ser dizível. Vejam-se as confissões, quase sempre obtidas através da tortura, durante a Inquisição ou nas purgas Estalinistas. Uma vez reduzido o ser à sua confissão, matá-lo, terminar com o seu corpo, era já apenas um pormenor.

domingo, 8 de janeiro de 2012

Choque de culturas

Numa reunião em que participei recentemente discutia-se esta tendência, de país do sul, de sermos condescendentes com os nossos. Argumentava-se que noutros países, do norte, não era assim, que cada pessoa tinha mais consciência e capacidade de avaliar objectivamente.

Ironicamente, a solução sugerida, era criar um órgão de pessoas competentes e idóneas que pudesse controlar estas situações.

Digo ironicamente, pois não é a primeira vez que observo pessoas com experiência de países do norte invocarem essa experiência para identificar problemas típicos de países do sul e, para de seguida, proporem também típicas soluções do sul.

Com a inevitabilidade cultural chega-se a uma encruzilhada, e segue-se o liberalismo cosmético.

Será razão para desistir? De facto já ocorreram profundas mudanças culturais nas sociedades. Como é que isso aconteceu? Como foi nos países da Reforma de Lutero?

quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

A luz ao fundo do túnel

Blade Runner é um filme de culto, com o seu ser ou não ser segundo Philip K. Dick e as ambiências de Ridley Scott cheias de bazares de lojas de orientais.

Na televisão perguntaram a uma transeunte como tinham sido as suas compras de Natal. Responde que com a crise comprou tudo nos chineses.

A resposta é curiosa pois, por um lado, não contém muita informação, o que se compra no ocidente é na sua maior parte produzido na China, mas por outro lado, dá a entender que comprou produtos baratos, concebidos e produzidos na China.

Ou seja, um ocidente mais pobre tenderá a comprar menos produtos concebidos no ocidente e produzidos na China e passará a comprar mais produtos concebidos e produzidos na China. Perdem-se assim algumas mais valias da globalização, ainda que as mesmas, como estamos agora a constatar, não cheguem para contrabalançar o défice.

Será que ao fundo do túnel há uma loja dos chineses?

E encontraremos lá um ocidente a questionar-se sobre quem é, perseguindo um oriente que dizem não ser, mas que se calhar é?

You think I'm a replicant, don't you?

Okay, bad joke. I made a bad joke. You're not a replicant.

segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

Santo Friedman não faz milagres

A China está a planear colocar um homem na lua e está a desenvolver um sistema de GPS que permitirá localizar com precisão os submarinos dos EUA, o que alguns já referem como uma ameaça à segurança. A China, sem pressas, mas de forma consistente, vai desenvolvendo os seus programas espaciais. 

Entretanto nos EUA os programas da NASA são desmantelados, devido ao corte nos gastos públicos e a ser mais barato alugar os foguetes Russos.

Parecem jogadas de um jogo de estratégia, daqueles que se joga num tabuleiro.

Santo Friedman não faz milagres na China.

domingo, 1 de janeiro de 2012

Um gigantesco corpo sem consciência

A relativa passividade com que os Judeus aceitaram ser encaminhados para os campos de concentração é de algum modo surpreendente. A forma como viviam na exclusão, a aceitavam e dela tiravam partido, estava enraizada na sua cultura e tinha sido a chave da sobrevivência ao longo de séculos. Por ventura, pensaram que mais uma vez essa seria a fórmula da sobrevivência.

O conjunto de valores culturais que permitiram aos Vikings criar uma comunidade significativa na Gronelândia foi uma das razões por que pereceram quando as condições iniciais se alteraram.

A forma como um punhado de Ingleses dominou e geriu um continente como a Índia também é surpreendente.

Estudos sobre as redes sociais mostram que elas possuem uma estrutura nas quais a velocidade de transmissão da informação é instantânea. Curiosamente essa qualidade também pode levar ao seu colapso, sempre que os canais de comunicação transmitam/dupliquem informação desadequada à razão de ser da rede social.

Hoje em dia os mercados vivem da, e  reagem à, informação em tempo real. Será um gigantesco corpo sem consciência?