Muito pouco para um dia, dirão. Algo que se lê em meia dúzia de minutos. E contudo, quando entro por esses minutos adentro deparam-se-me anos que ameaçam tornar-se numa eternidade.
O que têm 602 palavras e meia dúzia de sinais de pontuação para gerar este efeito?
Serem apenas 602 e quem as escreveu não ter necessitado de escrever mais, nem quem as lê necessidade de continuar procurar. Nestas 602 palavras não se encontra nenhuma falha que mereça interrogações. Não há razão para procurar mais, nem para a passagem do tempo, pelo que o dia se dilata sem nenhuma alteração.
Muitos outros tentaram obter o mesmo resultado, mas as palavras foram-se enleando umas nas outras. A complexidade da tarefa exigiu o serviço de um escrivão. Foi a ele que coube a tarefa de ir detetando as inexatidões e as corrigir como podia, com mais palavras. Não termina aqui a dimensão dessas obras. Coube aos seus leitores a responsabilidades de as fazerem ainda maiores e por convicção, seja no escrivão ou na obra, acrescentarem mais explicações. Assim surgem as obras gigantescas, finitas.
A mim não me coube esta sorte, senão não estaria a falar de um infinito terceiro dia, mas de um grande número de dias normais, de uma vida. Não que não tenha tentado, primeiro com a obra e depois com o escrivão. Mas se a primeira é incólume a questões, as incoerências do segundo estão coerentemente descritas na primeira. É, assim, uma obra que explica o escrivão. É essa a marca da sua perfeição, o escrivão não cria obra, é criado por ela, por isso não é necessária nenhuma justificação.
Não sei como, mas muito a custo escapei à paralisia de tamanha perfeição. E ainda assim, por vezes, este dia persegue-me, tal como as más companhias não deixam de se insinuar junto daqueles que com sofrimento se libertam de um vício.
Por tudo isto, o terceiro dia é uma recaída, um buraco no tempo.
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