domingo, 15 de maio de 2016

quotidiano

o que há na forma de uma costela de vaca do animal de que fez parte               um naco de carne com um osso para pegar     esparramado sobre o prato branco      acastanhado pelo fogo     com uns laivos do vermelho que já foi sangue               um bicho volumoso     esquartejado por aí     alguns pedaços no espaço oco do paralelepípedo branco do meu frigorífico     outros por outras insuspeitáveis concavidades               deixava com certeza uma marca no chão que pisou     uns cascos arredondados de aerodinâmica ajustada     feitos para pastar por vontade e correr por necessidade                 no prato corta-se em pequenos pedaços com a faca e aperta-se levemente entre os dentes     liberta um suco que nos acorda para a vida     roda-se para o ajeitar ao gume     toma outra forma      a pega mais longe      deixada para o fim      para o caixote debaixo do lava loiças                  há na costela de vaca a alguns euros o quilo a razão da existência do bicho     os anos a rapar calmamente erva     uns olhos esbugalhados     um cenário de prados e árvores que viram outras vacas                  sentada     trazendo à boca os restos arrancados     agora pacientemente triturados     num exercício de dupla satisfação