domingo, 9 de julho de 2017

Selva – Madalena

Certas mulheres são como a selva, são dos aventureiros. Dos aventureiros? Questionais-me vós. Não será que queria dizer dos aventurados, sugeris. Mas qual é a diferença? Pergunto-vos. Quem pode estar mais convencido de possuir o dom da ventura que o aventureiro, para se lançar ao desconhecido, desbravando luxuriante vegetação, à catanada, se necessário, na demanda de safiras, esmeraldas, rubis, diamantes. Todas pedras em bruto, à espera de serem delapidadas, libertarem-se da aspereza da natureza para rodopiar em refrações sobre a palma da mão, despertando a cobiça refinada, e serem possuídas pelos bem-aventurados. Ah, pelos aventurados, não pelos aventureiros, exclamais vitoriosos. A teimosia não vos trará boa fortuna e, nesta matéria, por aqui me fico. Repito, certas mulheres são como a selva, são dos aventureiros. E vede, as vossas interrupções fazem-nos chegar atrasados. Madalena e Romeu já não estão sentados lado a lado no sofá longo. Madalena atentamente ouvindo Romeu, desejando que no desfolhar da conversa vão surgindo as referências, à pele dos ombros, ao canto dos lábios, à curvatura das nádegas. Não, já não falam pausadamente. Melhor, Romeu já não fala. Madalena agita-se em pé, impondo-se intransponível para um Romeu que a olha apreensivo, sentado. Estou farta de te ouvir falar do Tavares. Nos últimos tempos quando vens ter comigo só falas do Tavares. E eu? Pergunta, apontando simultaneamente com ambos os cotovelos para as ancas bem rodadas, ao fundo de um ventre que insiste em se esconder, como o parente pobre, e envergonhado, do corpo de Madalena. Sabes que não é bem assim, Romeu procura tranquilizá-la. Não? Mas falaste de alguma outra coisa desde que aqui chegaste? Que o Tavares te fez a folha. Que devias ter suspeitado. Que bem te avisaram. Que as sugestões dele apenas te prejudicaram. E eu, aqui sozinha, à tua espera, com vontade que viesses, e agora essa conversa. De certeza que não é disso que falas com a Catarina. A última palavra é puxada por um soluço que desata em choro. Rapidamente as lágrimas lhe percorrem as faces, precipitando-se do queixo para a camisola onde deixam marcas que colam a blusa de alças ao corpo. Romeu sente-se incomodado pela erupção daquele ambiente húmido que tenta se intrometer nos seus pensamentos, se soubesse não tinha vindo. És um egoísta, diz Madalena, numa forte bátega de lágrimas que agora alcançam mais longe por se lançarem dos lábios retorcidos. Se soubesses os homens que estariam aqui se eu quisesse, atira já em desespero de causa, dado o silêncio de Romeu. Alguns nem sequer és capaz de imaginar, e tu preocupado com o Tavares, diz num riso escarninho que enche Romeu com os calafrios do desconhecido. Não devia ter vindo. O apartamento tornou-se inóspito, tem que sair rapidamente dali. Levanta-se e diz, tu hoje estás impossível, assim não se pode conversar contigo. Num instante está do lado de lá da porta, descendo pelas escadas, vai pensando, a culpa disto tudo é de terem cancelado a novela, e esse Tavares vai ver como elas doem.