terça-feira, 11 de agosto de 2015

Segundo dia

Recordo perfeitamente o segundo dia. Prolongou-se por dezanove dias e terminou há pouco. Nele, perenes, encontro retângulos, janelas e pontos, mas há outras memórias mais difusas que vão e vêm.

Encontro a memória de um autocarro, seguido de um metro, seguido de um comboio, em que não viajei. E o retorno dessa memória, um comboio seguido de um metro, seguido de um autocarro, de regresso a casa. As memórias podem ser assim, vividas em dois sentidos, num a partida e no outro o regresso, sem termos feito nenhuma das viagens. Os mesmos objetos intercalados de diferentes maneiras.

Há memórias ainda mais difusas e que portanto nos parecem alheias. Contrariamente às primeiras, são memórias que pontualmente passam como picos de montanha no percurso de um avião. Enchem o dia como batidas de coração, marcam o ritmo das primeiras, dão-lhes cor e sabor mas quase não damos por elas. Por isso as imagino alheias, aparentam não ter nexo, feitas de memórias que partiram com o tempo e que regressam aos pedaços.

Mas regressemos aos pontos perenes, as janelas e os retângulos. Na memória fico indeciso sobre onde começa um retângulo e termina uma janela. Talvez o mais importante seja o paralelepípedo onde me encontro, feito de um infinito número de retângulos que continuamente se cortam. Dos vários retângulos, daqueles que estão na fronteira do paralelepípedo, um poderá ser uma porta, outro uma janela e outro, ainda, abrir-se-á para a varanda.

Recordo caminhar dentro desse paralelepípedo, entre dois pontos. Nesse percurso, cada vez que atravesso um dos infinitos retângulos sou perpassado por uma memória. No conjunto, estas memórias dão o tom ao caminhar. Desloco-me com os olhos posto no retângulo que dá para a varanda mas o que vejo refrata-se nas memórias de outros inúmeros retângulos que se entrepõem entre mim e onde os meus olhos se fixam.

Tudo junto, somando tudo, o segundo dia teve uns poucos segundos de duração.

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