Ao fundo a montanha, imponente de acordo com as expetativas. Sobre ela umas massivas nuvens, negras e brancas, como uma pasta, prolongam o seu volume. Ainda não a percorri mas já muito sei sobre ela, dos seus vales e cumes, rios e glaciares, e das pedras que lhe dão o nome. É com este conhecimento que decido fazer uma aproximação. A aproximação foi calculada, será um dia de caminhada, cerca de 18 quilómetros até ao sopé.
Nestes primeiros passos há um anunciar da montanha. Dela não tiro os olhos. Do seu tamanho, que deverá ir aumentando conforme me aproximo, ganham forma os próximos 14 dias. Estes dias serão muito semelhantes, sobre as pernas e com a mochila às costas, ora a subir ou a descer, e demarcados pelo ir de um sítio a outro.
Contrariamente às expetativas, após as primeiras horas já não olho a montanha. Vou olhando o caminho e a paisagem que me rodeia. Passo por um pequeno vale pespegado de árvores, esqueléticas de um fogo, rodeadas de viçosos arbustos verdes. É este contraste que me prende a atenção. Começo por me concentrar nas árvores que, negras do fogo e brancas pelo polimento da chuva, são esculturas imponentes deixadas por aqui ficar. Mas a sua imponência está cercada por arbustos que por todo o lado rebentam, desordenados. Entre o silêncio das árvores e a bisbilhotice dos arbustos, é a segunda que agora me chama. Os arbustos falam com pesar das árvores que já foram. São comedidos, não necessitam de terminar as perguntas pois as respostas são logo dadas por ligeiros acenares de folhas. Entretanto, o vento que começa a levantar-se transforma a conversa em sussurros de concordância que percorrem o vale. Já não há perguntas nem respostas, apenas folhas que se agitam na mesma direção. Deixam-se adormecer nesta harmonia. Fico a saber pouco das árvores.
Volto a concentrar-me na montanha que continua lá à frente. O vento que fazia sussurrar as folhas aumenta conforme vou caminhando. Vou-me vergando a esse vento e por vezes tenho que parar para não retroceder. Nestes terrenos enlameados, a lama acumula-se nas botas em diversas camadas que secam rapidamente com o vento antes de se voltarem a encharcar numa poça. Com as pernas curvadas, bamboleio-me ao andar. O peito arqueia para a frente e a mochila fica quase na horizontal sobre as costas. A montanha torna-se invisível quanto mais me empurra para trás.
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