O barco que nos vai levar através destes canais e, ocasionalmente, por mar aberto é um grande paralelepípedo ao qual foi colado um bico. Na cabine, onde vamos passar a noite, atropelam-se quatro camas no acesso a uma pequena janela quadrada por onde ainda se vê o local que agora abandonamos.
No convés acumulam-se as pessoas em início de viagem. O barco começa a mover-se com o ruído dos motores a rodar no vazio da manobra e os gritos dos marinheiros, larga o cabo, puxa o cabo. O último cabo que segurava o barco é um passageiro aflito correndo sobre a água e saltando para o barco in extremis.
Os passageiros partem com os olhos no local que deixámos como se o barco fosse demasiado exíguo. Mas, aos poucos, conforme a distância aumenta, os olhares começam a desviar-se, primeiro para as margens depois à procura uns dos outros.
De entre os passageiros, há um que perscruta continuamente o horizonte. É franzino de óculos, usa uma barba rala, e encontra-se sempre acompanhado de uns potentes binóculos. É um observador de pássaros. Ficamos a saber que eles abundam nestes canais, razão pela qual aqui veio. E os pássaros vão traçando longínquas linhas no horizonte as quais ganham sentido e relevância nas explicações que vai dando sobre os seus distintos modos de voo e comportamentos.
É simpático com uns modos delicados, e está sempre disponível a interromper a observação e emprestar os binóculos a quem queira seguir o voo das aves. À sua volta vão-se juntando passageiros, quer porque têm algum interesse por pássaros, quer porque ali está a acontecer algo. Junto a ele estão dois homens mais velhos, de cabelos grisalhos e barba desgrenhada que lhes cobre todo o rosto deixando apenas de fora uns lábios grossos e um minúsculo par de olhos esbugalhados. São muito parecidos, tenho dificuldade em os distinguir, e pelo facto de viajarem conjuntamente com o aparentemente frágil observador de pássaros, ganham uma forma de Dupond e Dupont.
Também Eveline não resiste em ir ver os pássaros. Assim que se aproxima um dos Dupond e Dupont pergunta-lhe, ?De donde eres tu?, ao que imediatamente o outro Dupond e Dupont acrescenta, Where are you from?. Eveline afasta-se sorrindo e dirige-se para a proa. Estamos a entrar em mar aberto. As ondas começam a agigantar-se e o barco vai-se transformando num paralelepípedo oblíquo que se equilibra entre estibordo e bombordo. Olhando para as ondas Eveline continua a sorrir.
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