quinta-feira, 2 de agosto de 2012

Dia 2 - Ticket Birds

Nestas caminhadas os encontros sucedem-se e repetem-se. Por vezes rendemo-nos à repetição como a uma inevitabilidade e começamos a caminhar juntos, e separamos-nos quando o vento ou a chuva assim o decidem, ou a seu pretexto. Esta caminhada também não será exceção.

Aqui, no sopé da montanha, o que se nota é a ausência do vento. A montanha está mesmo em frente. Olhar para ela é um longo e pausado sim com a cabeça. Aproveito para respirar profundamente enquanto vou observando os seus recantos e voltas. Há uma sensação de liberdade resultante da alegria da desabituação do olhar.

Não estou sozinho. No acampamento há mais pessoas. Com alguns dos rostos já me cruzei antes, com outros ir-me-ei provavelmente cruzar em breve, outros não voltarei a ver. São rostos sem ruído. Aqui, num local que ainda não se possui, em que cada gesto e cada passo carece de repetição, o ruído é um luxo. Conforme começarmos a andar e formos perdendo este espanto iremos regressando às repetições e aos rituais, mas agora ainda não é assim.

Inicio a caminhada do dia. Saio sozinho em direção a Norte. O trilho está bem marcado, é fácil nos primeiros quilómetros mas depois começa e ficar mais íngreme, sendo necessária a ajuda das mãos. Gosto do escalar de movimentos amplos de braços e pernas, um pouco como subir a árvores. Do cimo de uma pedra fico-me a observar outros que também se esforçam por subir. Alguns sobem determinados, quase sem parar, enquanto noutros o cansaço transforma-se em argumentos. Param para explicar onde agarrar com a mão ou onde colocar o pé e assim a sua subida transforma-se num mapa do caminho. Um dos que sobe determinado é James. Já nos cruzámos antes. Quando chega à pedra em que estou sentado pára e acena. Em poucas palavras acertamos que partilhamos a mesma direção. Levanto-me e recomeçamos a caminhar.

James não fala muito mas tem sentido de humor. Por este caminho ouvem-se pássaros e ele sugere que também nós sejamos pássaros. Digo-lhe que não sei imitar pássaros. Diz não ser um problema e propõe que sejamos ticket birds. Retira os bilhetes de admissão no parque e mostra-me como se podem fazer vibrar entre os dedos. O som propaga-se entre as árvores e os pássaros silenciam-se surpreendidos e ficam à escuta, como talvez tenha acontecido a primeira vez que foi ouvido um homem nestas paragens.

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