segunda-feira, 13 de agosto de 2018

Nona Lição – O sentido da vida

Agora que já sabeis um pouco do que acontece ao longo do tubo digestivo, é o momento de refletir se tudo isto faz sentido. Dividem-se as teorias por duas ideias básicas, umas dizem que se come para viver e outras que se vive para comer. As primeiras embelezam o mundo de forma tão gigantesca e elaborada, que sobre o processo de comer, pouco se passa da entrada. É um mundo feito de chefes, que com os seus barretes e salamaleques transformaram o comer num festim de coquetes. Já os outros com a mania, de serem mais assertivos do que urbanos, dizem que a vida é o conjunto de manifestações em volta do tubo que liga a boca ao ânus. E vocês que gostais de ficar bem, e que ambicionais um dia vir a receber, de certeza que vos ficais pelos primeiros, que preferem nem tudo ver. Para isso existe a privacidade, não porque seja uma verdadeira necessidade, mas para permitir ao comum dos mortais vestir vestes vestais. Criam-se assim dois campos, que com ardor se digladiam, elevam-se uns nos mais refinados sabores enquanto acerca dos outros coscuvilham. Descrevem-lhes as entranhas com esmero, realçando-lhes os odores agrestes, enquanto se cobrem dos mais finos tecidos e se limpam com toalhetes. Já os outros, coitados, que se agarram aos factos como a lapa à rocha, dizem que somos todos iguais aos nossos pais fundacionais. Encontrareis entre estes, sacerdotes sacramentais, que depois de muito refletir, chegaram à conclusão da existência de uma espécie de união que justifica o existir. Alguns até se vestem de castanho, com uma corda à cintura, andam descalços e pretendem espalhar pelo mundo ternura. De porcos a tontos, dizem os primeiros, as coisas mais elevadas não podem brotar da observação dos pardieiros. Falar assim, dizem os segundos, não tem nada de perspicaz, mas revela a disposição para se distinguirem desdenhando conforme lhes apraz. E esta descrição, se fica bem em rima, e vos penetra que nem um trovão, pois é feita de opostos, ignora um aspeto, que não posso deixar sem tinta. Não consegue o nu o sustento, nem o vestido sobrevive sem ingerir o provimento. Reveste-se assim o mundo, de um maior cuidado, pois se assim não fosse nem seria necessário escrever este relato. É por isso que antes de pensardes tomar partido, quer pelos descalços, quer pelos em calçados, deveis estudar a digestão, e o que fazer desse conhecimento, é essa a lição desta lição. Podeis, sabendo do que são feitos os humanos, revestindo este tubo, manipular as vontades, alimentando-os de tudo. Aos vestidos proporcionai lugares, se possível os mais elevados, e aos descalços valores, que lhes encham os pratos. Vereis então, que qualquer que seja a opinião, e por muito forte que ela lhes esteja alicerçada, todos eles se orientam pela digestão, e de acordo com os vossos desejos se fazem à estrada. Ou então, como poucos, podeis do conhecimento não tirar proveito, a não ser a satisfação de vos recostares na cadeira depois de uma boa refeição. Fechei os olhos e desfrutai, com tamanho mistério, que do molusco mais sensível ao bicho mais infernal, todos se regalam de forma igual.

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