domingo, 24 de novembro de 2013

Dissensus

Saio do Everest Montanha e decido caminhar para deixar discorrer pelos membros os calores que alguns pratos Nepaleses emprestam ao corpo. Ao passar pelo Júlio de Matos vejo-me na obrigação de agarrar uma folha de papel que esvoaçando quase se me entrega nas mãos. Nesta folha leio, escrevinhado, as atuais notícias da minha sanidade são tão exageradas como as, anteriores, acerca da minha loucura.

Estaco, e, enquanto o ar frio da noite me entra pelo nariz num brado de refrigeração solicitada pelo corpo, ocorre-me que este deve ser mais um daqueles ineficazes gritos com pretensões literárias, em que o grito empobrece a pretensão e o estilo literário abafa o grito. Foi com certeza escrito por um dos loucos que aqui habita, penso.

Entretanto, começa a tomar conta do meu corpo uma sensação de dissensus. Não sei se se deve à folha entre mãos ou à comida que ingeri. Nesta imobilidade dou comigo a imaginar o psiquiatra deste pobre louco, entre compêndios, gerando o consensus, agarrando-se a todos os possíveis factos e, em desespero de causa, criando, aqui e ali, o que faz falta. Imagino também os sucessivos construídos universos de que o louco se entretém a divergir.

Retomando o passo, vou-me afastando e sinto comiseração pelo pobre psiquiatra.

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