domingo, 25 de dezembro de 2022

bailado dos deuses

o mancebo de torso rígido
tem o corpo coberto de pelo negro
revolto e entrelaçado como o vento conflituoso
que lhe molda as pernas curtas e grossas
e arbusta as nádegas de vestes agrestes

da moçoila pouco temos a realçar
tal é a juventude
daquela que nos faz respirar
de formas correntes
reservadas para despertar

ciranda o demónio a mocidade
finge esta deixar-se tentar
enquanto coscuvilha
ri nas costas do pé rachado
nada como a inocência para zombetear

é o mundo um gigantesco prato
onde os humanos são servidos 
para deleite dos deuses
inteiros ou retalhados
puros ou aos pecados

deitados nos cotovelos apoiados
no éter vazio
seguram a cabeça as suas divindades
agradecidos do espetáculo
que momentaneamente os sustenta do infinito tombar

não têm os atores memória de tal história
ainda que continuamente a venham a representar
parece ela sempre renovada
muda-se o prato
fica o espetáculo

lá bem no centro da reinação
onde todos os olhos estão postos
dançam o moço e a moçoila
ao embalar de uma canção 
que trauteiam os nobres senhores

eis não quando a raparigota 
se sente enrubescer
espantada olha em volta
procurando explicação
para o que ainda não estava a ver

mais banzado está o moço
de ver assim avermelhada a donzela
mas como anda de cabeça à roda
ainda insiste em pegar nela
dizem que é do demónio a tentação

é nos momentos de maior aflição
que cada um reage à sua maneira
a donzela com precaução 
o mancebo ilusionado com a asneira
ambos com derramamento

está a vestal assombrada
no meio do prato parada
boquiaberta e espantada
entre o contentamento e a alvorada
por se sentir alvo de tamanho cometimento

o efebo peludo
todo ele eriçado
olha-se sem sentido
como todo aquele que padece
de um empreendimento mal terminado

entra o pai da jovem
leva o rapaz de lado
também desse mal sofri eu
diz-lhe com sinceridade
não há moléstia que não tenha reparo

pega a mãe na rapariga
com ternas mãos maternais
para lhe sentir a pulsação
e saber de antemão
qual poderá ser desenlace da questão

o moço ouve saracoteado
pois ainda que perceba a razão
e tente ouvir com atenção
não há maneira de desaparecer
o que o levou ao final do primeiro ato

confidenciam o pai e a mãe
juntam o que até ali apreenderam
sobre a moçoila diz a progenitora
antecipa a alvorada
mas ainda não viveu o amanhecer

do rapaz até tem o pai boa impressão
fala pouco o que não é mau
quer dizer que não tem nada a esconder
o problema é que não lhe passa a maleita
o que não dá azo a outra consideração

entram cinco vestais amigas
da donzela não sei a qual a mais bela
a primeira a segunda ou as outras três
trazem no rosto um sorriso
com a marca de uma missão

cada uma à sua vez
com o moço bailam
tudo fazem para tirar de boa
uma solução final 
e não mais uma ilusão

após cinco vezes rodopiado
está o mancebo no meio do prato abandonado
que cumprida a incumbência
foram as amigas com a donzela conferenciar
mas está bom de ver

está o peludo mancebo
que nem uma tábua de passar
não fosse o peito de rachar lenha
e os ombros de arquear
mas sem o mais leve sinal do mal

regozijam todos os presentes
por mais uma volta dada pelo prato ao universo
assim se cumpre mais uma vez o destino
e se quer dar for finda
a representação

cantam todos em coro
a ordem natural encerra destas maravilhas
para cada desafio
sabe o mundo encontrar um equilíbrio
de amor perfeito

galhofam os deuses
com o desenlace
rebolam-se no éden à gargalhada
esbracejando no vazio
transmitindo ao prato suaves bailares

não todos no entanto
um ou dois mantêm-se de cara fechada
são deuses que sacrificam
a sã camaradagem à sua verdade
vivem por isso irritados

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