domingo, 2 de setembro de 2012

Dia 15 - The Dead

Abandonámos o local com um cansaço feito de músculos descontraídos. A descida era feita do descair do corpo. Descíamos aos sobressaltos. As distâncias entre nós iam variando, formando-se um corpo desengonçado que parecia descer a montanha aos trambolhões controlados. A cada momento prestes a lançar-se no abismo, a cada momento a se agarrar de novo ao chão.

Observado com mais detalhe, podia-se imaginar neste corpo uma longa coluna de onde se prendiam semi-arcos. Era entre estes semi-arcos que nós nos movíamos e que nos impediam sair de dentro do corpo que configurávamos. Não, de facto, nós eram os semi-arcos e os nossos movimentos marcavam o respirar ofegante de um animal acabado de ressuscitar.

Era a cabeça, feita de um enormes buracos sem olhos, que nos atirava para a frente. As gigantescas mandíbulas, premiadas de uns dentes que já foram úteis, dão ao animal um ar sedento de vida. A cabeça bamboleia-se de um lado para o outro, de cima para baixo, e pelos buracos dos olhos passa tudo o que está à volta. A conjugação dos buracos nos olhos e das mandíbulas abertas dão ao animal uma expressão de incredibilidade.

Eveline caminha com os olhos nos olhos do animal, procurando ver tudo o que ele vê. Há na sua cara uma expressão de contentamento que não lhe tínhamos visto antes. A sua respiração é consonante com a respiração do animal e, caminhando entre nós, é o seu movimento que marca a deslocação lateral daquela desmedida massa. Sempre que chegamos a um ponto, já ela se move na direção oposta, levando-nos atrás.

O caminhar de James é marcado pelo alheamento de Eveline. Inicialmente ainda procura olhar pelos olhos do animal, mas acaba a observar o corpo que nos envolve. É um extraordinário monumento que avança no tempo e onde James tenta encontrar o seu lugar. Vai fazendo isso experimentando diferentes formas de andar. Aquela que lhe parecia mais óbvia era a de Eveline, mas ela, ou o corpo, estão sempre um pouco depois, ou um pouco antes. Enquanto vai procurando acertar, dá então consigo a imaginar como teria sido imponente esse animal, como a sua presença deveria impor respeito e forjar vontades. Mas de tantos desacertos, James começa a ficar para trás. Sente passar-lhe pelas costas um fio frio, como um arrepio. É a longa cauda do animal que passa por ele. Já sem obrigações fica sentado a observar-nos na descida.

Viro-me e pergunto-lhe, Então James, não vens?

- Inspirado em The Dead de James Joyce, num esqueleto de dinossauro no Natural History Museum  e nos monumentos funerários no British Museum em Londres.

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